“Luta por conseguir que o Santo Sacrifício do Altar seja o centro e a raiz da tua vida interior, de maneira que toda a jornada se converta num ato de culto.”
— São Josemaria Escrivá

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A Santa Missa como ação de graças

O núcleo da fé cristã se encontra no Credo dos Apóstolos, que oramos na Santa Missa aos domingos e em dias de preceito. A essência da doutrina que nós, cristãos, assumimos e atestamos se encontra nessa prece. Essa afirmação de fé passou por elaborações mais explicativas nos Concílios de Niceia (325 d.C.) e de Constantinopla (381 d.C.), e que hoje conhecemos como o Símbolo Niceno-Constantinopolitano. Iniciamos essa oração declarando que acreditamos “em um só Deus, Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis” – Credo in unum Deum, Patrem omnipotentem, factorem cæli et terræ, visibilium omnium et invisibilium.

Não há nada que temos que não nos foi dado por Deus [1]: foi Ele quem criou as matérias-primas que, graças à inteligência que Ele nos concedeu, transformamos em bens e serviços; foi Ele também que nos concedeu (e nos concede todos os dias) a capacidade de trabalhar, de construir, de produzir, de transformar a nossa realidade de maneira positiva. Devemos absolutamente tudo a Deus. Assim sendo, é uma questão de justiça agradecermos a Deus pelos dons que nos deu e dá. Como cristãos, devemos fazê-lo de maneira ordinária no nosso dia-a-dia, oferecendo todas as nossas obras à Santíssima Trindade e ordenando todas as coisas para dar maior glória a Deus. No entanto, essa disposição a oferecer tudo que fazemos a Nosso Senhor só existe quando participamos daquela que é a ação de graças por excelência: a Santa Missa.

Quando Cristo instituiu a Sagrada Eucaristia, ofereceu o pão e vinho a Deus em ação de graças [2]. O Catecismo da Igreja Católica explica melhor a simbologia desta oferta:
Encontram-se no cerne da celebração da Eucaristia o pão e o vinho, os quais, pelas palavras de Cristo e pela invocação do Espírito Santo, se tornam o Corpo e o Sangue de Cristo. Fiel à ordem do Senhor, a Igreja continua fazendo, em sua memória, até a sua volta gloriosa, o que ele fez na véspera de sua paixão: “Tomou o pão...” “Tomou o cálice cheio de vinho...” Ao se tornarem misteriosamente o Corpo e o Sangue de Cristo, os sinais do pão e do vinho continuam a significar também a bondade da criação. Assim, no ofertório damos graças ao Criador pelo pão e pelo vinho, fruto “do trabalho do homem”, mas antes “fruto da terra” e “da videira”, dons do Criador. [3]
A própria palavra “eucaristia” significa “ação de graças” em grego (εὐχαριστία, eucharistia). Na Santa Missa, não damos graças a Deus apenas pela bondade de Sua criação, pelos dons materiais e espirituais concedidos a nós, mas sobretudo pela morte redentora de Jesus Cristo, que derramou seu sangue “por muitos homens em remissão dos pecados” [4]. Ao imolar-Se como agnus Dei, Cordeiro de Deus [5], Cristo venceu restabeleceu entre Deus e o gênero humano o caminho para que pudéssemos cumprir a vontade do Pai, receber suas graças e, assim, participar da vida divina, que culmina na posse eterna de Deus no Céu. Com seu sacrifício, Ele instaurou a lei do Espírito de Vida, que nos libertou do pecado e da morte [6], colocados no mundo por nossos primeiros pais quando desobedeceram a Deus [7]. E mais: damos graças a Deus por Cristo prolongar miraculosamente a Sua presença no meio de nós nas espécies eucarísticas do pão e do vinho.

É muito difícil que, durante as horas do dia, cheguemos a lembrar que nada do que temos foi obtido por nós de maneira exclusiva, e que tudo, absolutamente tudo o que temos nos foi dado por Deus. Esse esquecimento nos causa muitos prejuízos: alimenta o nosso orgulho, fazendo-nos pensar que podemos tudo por nós mesmos; aumenta o nosso apego aos bens materiais, transformando-os não em meio, mas em um fim em si mesmos; diminui a nossa capacidade de repartir o que temos com os que não têm, de ajudá-los a suprir suas carências, tanto materiais quanto espirituais. Além disso, não é uma infeliz ingratidão que nos esqueçamos de que, “como se não bastassem todas as outras provas da sua misericórdia, Nosso Senhor Jesus Cristo instituiu a Eucaristia para que pudéssemos tê-lo sempre junto de nós e porque – tanto quanto nos é possível entender –, movido por seu Amor, Ele, que de nada necessita, não quis prescindir de nós” [8]?

A assistência constante à Santa Missa, a meditação frequente na grandiosidade do sacrifício da Cruz e a gratidão a Deus pelo belíssimo mistério da Eucaristia são meios muito eficazes e seguros para que, rendendo graças à Trindade Beatíssima pelos dons que Deus nos dá e pelo sangue que Cristo derramou por cada um de nós, possamos adquirir consciência plena de que devemos tudo ao Criador. É necessário que, conhecendo e amando cada vez a Eucaristia, esforcemo-nos para prolongar a Santa Missa todas as horas de nossos dias, transformando nossa própria vida em ação de graças a Deus.

Maria Santíssima, Sedes Sapientiae, Sede da Sabedoria, conservava todas as coisas e as meditava em seu coração [9]. Peçamos a Ela que interceda por nós junto do Paráclito para que possamos, inspirados em seu exemplo, transformar nossas vidas em uma oblação agradável a Deus.

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Notas:
[1] 1Cor 4, 7.
[2] Lc 22, 17-19.
[3] Catecismo da Igreja Católica, n. 1333.
[4] Mt 26, 28.
[5] Jn 1, 29.
[6] Rm 8, 2.
[7] Gn 3, 1-24.
[8] São Josemaria Escrivá. É Cristo que passa, n. 84.
[9] Lc 2, 19.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A Santa Missa e a adoração a Deus

Santa Missa é, como já enfatizamos, “o centro de toda a vida cristã, em favor da Igreja, tanto universal como particular, e de cada um dos fiéis” [1]. É presidida pelo próprio Cristo, que se oferece a Si em sacrifício a Deus Pai. Não contente em sacrificar-Se a Si mesmo em resgate de muitos, Jesus Cristo perpetua Sua existência junto de nós, fazendo-Se presente de verdade sob as espécies do pão e do vinho consagrados e tornando-Se alimento para todos os que têm fome de verdade e liberdade [2]. No entanto, o Santo Sacrifício do Altar não é oferecido a Deus com apenas uma única intenção.

O grande Sumo Pontífice São Pio X, em seu pequeno Catecismo, trata de questões centrais da fé crista e da vida da Igreja. Ao abordar os fins aos quais se ordena o Santo Sacrifício da Missa, São Pio X esclarece que a Santa Missa possui quatro fins [3]: (I) adorar a Deus, (II) dar graças a Ele, (III) suplicar-Lhe perdão dos nossos pecados e (IV) pedir-Lhe Suas graças. Neste texto, trataremos do primeiro fim da Missa: a adoração a Deus.

Quando Deus fez conhecer a Sua lei, o Decálogo, a Moisés, começou com essas palavras: “Eu sou o Senhor teu Deus, que te fez sair do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de minha face. Não farás para ti escultura, nem figura alguma do que está em cima, nos céus, ou embaixo, sobre a terra, ou nas águas, debaixo da terra. Não te prostrarás diante delas e não lhes prestarás culto. Eu sou o Senhor, teu Deus, um Deus zeloso que vingo a iniqüidade dos pais nos filhos, nos netos e nos bisnetos daqueles que me odeiam, mas uso de misericórdia até a milésima geração com aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos.” [4] Devemos sempre adorar a Deus in spiritu et veritate [5] – em espírito e verdade –, e o modo por excelência de fazê-lo é na Santa Missa.

Em virtude de seu caráter de adoração, é dito que um dos aspectos do Santo Sacrifício do Altar é o aspecto latrêutico, ou seja, de latria. A palavra “latria” vem da língua grega e possui três fontes: λάτρις (latris), “adorador”; λατρεύειν (latreuein), “adorar”; e λάτρον (latron), “pagamento”. A adoração, como podemos ver, possui um significado bastante específico: dar a Deus seu culto devido. Por isso que o ato de idolatria – render a criaturas o culto devido a Deus – é uma grande ofensa à Santíssima Trindade.

Aqui, é necessário um parêntese: nós adoramos a Deus, mas não adoramos a Nossa Senhora ou aos santos, pois isso seria idolatria – já que Maria Santíssima e os santos são criaturas, e não o Criador. O que fazemos é venerar (do latim veneratio) Nossa Senhora e os santos. Quando os veneramos, estamos honrando sua memória e prestando homenagem às imensas graças que Deus operou em Seus servos. O ato de veneração pode ser de dois tipos: culto de dulia, do grego δουλεία (douleia), que é a veneração que rendemos aos santos e aos Anjos; culto de hiperdulia, que é a veneração reservada somente à Virgem Maria, a criatura mais perfeita que saiu das mãos da Santíssima Trindade, Mãe de Deus e Mãe nossa. Mesmo quando a Santa Missa é celebrada em honra de Nossa Senhora e dos santos, o sacrifício oferecido não é dirigido a eles, pois isso seria um desvio do culto de latria devido a Deus; no entanto, celebra-se a Santa Missa em honra dos santos e da Santíssima Virgem “para louvar a Deus neles pelos dons que lhes concedeu, e para alcançar, pela intercessão deles, em maior abundância, as graças de que necessitamos.” [6]

Ainda que não fosse obrigatório a todo católico participar da Santa Missa aos domingos e em dias de preceito, como determina o 1º Mandamento da Igreja, seria no mínimo uma manifestação de fé fraca e mau espírito não tomar parte dela. Afinal de contas, Deus em Pessoa desce até nós e Se doa a Si mesmo a todo aquele que se aproxima de coração arrependido e alma limpa. O Papa Bento XVI esclarece que “receber a Eucaristia significa colocar-se em atitude de adoração d’Aquele que comungamos” [7]; todavia, ainda que não nos seja possível comungar o Corpo de Cristo, ser testemunha de Sua presença no meio de nós, tendo consciência do que se passa, e desejar tê-Lo conosco – eu quisera, Senhor, receber-vos com aquela pureza, humildade e devoção com que vos recebeu a vossa Santíssima Mãe, com o espírito e o fervor dos santos – é prestar corretamente esse culto de adoração que devemos a Deus. Nosso coração permanece inquieto enquanto não encontra em Deus seu descanso [8], e a Santa Missa é o momento culminante em que tomamos Deus para nós.

Para que possamos tirar melhores frutos de nossa participação na Santa Missa, precisamos procurar sempre ter em mente que o que se passa diante de nós é o maior milagre que Deus nos faz. Quando o sacerdote ergue a hóstia e o cálice, consagrando as espécies, é o próprio Cristo que vemos no altar atualizando Seu sacrifício, e nós lá estamos como Seus apóstolos. Ao murmurarmos aquelas palavras que precedem a comunhão – “Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e serei salvo” –, é preciso que as digamos do fundo do nosso coração: no fim das contas, nós realmente não somos dignos de que Cristo tenha se sacrificado por nós; mesmo assim, Ele derramou todo o Seu sangue por cada um de nós individualmente, como se não houvesse outra pessoa que precisasse ser salva. São Tomás de Aquino expressou de uma forma muito bela como deve ser a nossa disposição interior para adorar a Deus na Eucaristia:
Adoro te devote, latens Deitas,
Quae sub his figuris vere latitas:
Tibi se cor meum totum subiicit,
Quia te contemplans totum déficit. [9]
A Virgem Maria é frequentemente representada como a Stabat Mater, a mãe que não se afasta do filho que morre brutalmente na Cruz. Peçamos a ela que sempre nos ajude a imitá-La, de modo que permaneçamos aos pés de Cristo por amor, louvando-O e bendizendo-O por seu sacrifício incalculavelmente precioso.

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Notas:
[1] Sagrada Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. Instrução Redemptionis Sacramentum sobre algumas coisas que se devem observar e evitar acerca da Santíssima Eucaristia (25-III-2004), n. 36.
[2] Papa Bento XVI. Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, n. 2.
[3] Catecismo de São Pio X, n. 657.
[4] Gn 20, 1-6.
[5] Jn 4, 23.
[6] Catecismo de São Pio X, n. 661.
[7] Papa Bento XVI. Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, n. 66.
[8] Santo Agostinho. Confissões, Livro I, cap. 1.
[9] Primeira estrofe do hino Adoro te devote. Em português:
“Eu Te adoro com afeto, Deus oculto,
que Te escondes nestas aparências.
A Ti sujeita-se o meu coração por inteiro
e desfalece ao Te contemplar.”

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O que é a Santa Missa?

Quando lemos as Sagradas Escrituras, é difícil não ficarmos admirados com a grandiosidade dos milagres operados por Jesus Cristo. Não faltam exemplos de pessoas que, maltratadas por doenças do corpo e da alma, recorrem ao Nazareno para obterem alívio para suas dores e libertação de suas penas físicas, morais e espirituais. As curas da mulher que estava encurvada havia dezoito anos (Lc 13, 10-17), da mulher que sangrava e da filha de Jairo (Mc 5, 21-43), do servo do centurião (Lc 7, 1-10), além da ressurreição de Lázaro (Jn 11, 1-44), normalmente nos fazem desejar que milagres poderosos como esses ocorram também nos dias de hoje. “Seria muito mais fácil acreditar na existência de Deus e no seu imenso Amor”, pode-se pensar. No entanto, Jesus Cristo opera milagres cotidianamente sem que demos a eles a atenção devida. O maior desses milagres é a Santa Missa.

Para dizer de um modo simples, a Santa Missa é renovação incruenta do Sacrifício salvífico de Jesus Cristo e memorial de sua Paixão e Ressurreição. O que isso significa?

São Pio X
Afirma São Pio X em seu Catecismo que “a santa Missa é o sacrifício do Corpo e do Sangue de Jesus Cristo, oferecido sobre os nossos altares, debaixo das espécies de pão e de vinho, em memória do sacrifício da Cruz” (n. 652). O sacrifício de Jesus Cristo para a salvação do mundo foi Sua Paixão, onde sofreu e derramou Seu Sangue para a remissão dos pecados do homem, culminando em Sua morte na Cruz. Mesmo tendo ocorrido em um tempo e espaço específicos, esse sacrifício, por ter sido realizado pelo próprio Deus, situa-se fora do tempo e do espaço: Seu Sangue foi derramado para o perdão de todos os pecados passados, presentes e futuros de todos os homens. Em virtude desse caráter atemporal, o Catecismo da Igreja Católica acrescenta que a Santa Missa “atualiza o único sacrifício de Cristo Salvador” (n. 1330). Por não haver derramamento de sangue – ou seja, por não haver sacrifício cruento –, a Santa Missa traz à nossa realidade temporal de maneira incruenta o sacrifício de Jesus Cristo.

Talvez venha à tona uma pergunta: como pode o sacerdote ser capaz de operar um milagre como esse? Eis um ponto que deve ser enfatizado: o sacerdote não celebra – ou, pelo menos, não deveria fazê-lo – a Santa Missa em seu próprio nome. Durante o Santo Sacrifício do Altar, é o próprio Deus Filho que, utilizando o sacerdote como Seu instrumento, opera a renovação de Seu sacrifício. A esse respeito, São Josemaria Escrivá ensinava:
A Santa Missa – insisto – é ação divina, trinitária, não humana. O sacerdote que celebra serve o desígnio divino do Senhor pondo à sua disposição o seu corpo e a sua voz. Não age, porém, em nome próprio, mas in persona et in nomine Christi, na Pessoa de Cristo e em nome de Cristo.
Papa Pio XII
Na Santa Missa, Deus é o destinatário do sacrifício, o sacerdote que sacrifica a vítima e, por fim, a própria vítima imolada. O Venerável Papa Pio XII, em sua Carta Encíclica Mediator Dei, ensina: “O augusto Sacrifício do Altar não é, pois, uma pura e simples comemoração da paixão e morte de Jesus Cristo, mas é um verdadeiro e próprio sacrifício, no qual, imolando-Se incruentamente, o sumo Sacerdote faz aquilo que fez uma vez sobre a Cruz, oferecendo-Se todo ao Pai, vítima agradabilíssima” (n. 61). Quando o pão e vinho são consagrados, eles deixam de ser apenas pão e vinho, e, através da Transubstanciação, é o próprio Deus que se coloca nessas espécies. A hóstia e o vinho consagrados não são um mero símbolo da nossa fé em Cristo: eles são o próprio Cristo, que neles está presente em Corpo, Sangue, Alma e Divindade. A Santíssima Trindade – Deus Pai Criador, Deus Filho Redentor, Deus Espírito Santo Consolador –, que tudo criou e que tudo sustenta em Sua vontade, desce do mais alto do Céu e se faz pão e vinho para que nós possamos, literalmente, nos alimentarmos de Sua divindade.

Diziam muitos santos que, quando a Santa Missa é celebrada, todo o Coro Celestial a observa com reverência e admiração; Maria Santíssima e todos os santos, estejam eles ou não nos altares mundo afora, curvam-se ante essa inenarrável maravilha; e muitas almas que estão no Purgatório recebem graças de Deus, abandonando aquele lugar de purificação para gozar eternamente da posse do Senhor. Mesmo que o sacerdote que celebra a Santa Missa seja a única pessoa presente, mesmo que ela seja celebrada em capelas humildes, isso acontece em cada celebração. A magnitude desse fato é algo que foge à nossa compreensão ordinária, e talvez seja por não meditarmos com frequência nesse grande milagre que deixamos a Santa Missa de lado ou a utilizamos para coisas que nada têm a ver com o que Deus quer de nós.

Venerável Fulton Sheen durante a consagração.
Como podemos ver, a Santa Missa é muito, muito mais do que uma ocasião para cantarmos músicas animadas, reencontrar os amigos, exibir coreografias ensaiadas e, muito à margem, encontrarmo-nos de maneira profundamente íntima com Nosso Senhor. Ao nos depararmos com a sua real natureza e com sua riqueza incalculável, começamos a ter alguma noção da enorme ingratidão e do grande desperdício que é participarmos da Santa Missa de qualquer jeito, de má vontade, apenas para “cumprir tabela”.

Para terminar esse texto, gostaria de contar uma história que, há alguns meses, um jovem sacerdote me contou. Certa vez, dois amigos conversavam sobre religião. Um deles era católico, e o outro, muçulmano. Dado momento, o muçulmano pergunta a seu amigo: “O que é a Missa?” O católico, contente por saber responder à pergunta do jeito certo, explicou ao amigo muçulmano que a Santa Missa era a renovação que Jesus Cristo fazia de Seu próprio sacrifício, que Ele fazia isso para que os homens pudessem tê-Lo mais perto de si, e que era a maior de todas as devoções cristãs. O muçulmano ficou admirado com a explicação e, sem demora, logo emendou outra pergunta: “E você vai todos os dias à Missa?” O católico sorriu de modo compreensivo e respondeu: “Não, não todos os dias. Só vou à Missa aos domingos, que é o dia em que é obrigatório.” O muçulmano ficou subitamente sério diante dessa resposta e disse, com indisfarçável raiva: “Você não tem vergonha de mentir de maneira tão descarada? Pensei que fôssemos amigos!” O católico, sem entender direito o que acontecia, perguntou: “Mas o que eu disse de errado?! Eu ofendi você?” O muçulmano respondeu: “Você mentiu. Deus não está nessa Missa que você diz. Se ele estivesse mesmo na Missa, e se você pudesse ver e tocar Deus de verdade, você não se contentaria em fazer isso apenas quando fosse obrigatório, mas faria isso todos os dias, ou sempre que possível. Pelo menos, é exatamente isso o que eu faria!”

Será que não passou da hora de começarmos a avaliar como todos nós participamos do Santo Sacrifício do Altar?

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A Santa Missa e a nova evangelização

No dia 11 de outubro de 2011, dia da memória do Bem-aventurado João XXIII, o Santo Padre Bento XVI publicou a Carta apostólica sob forma de motu proprio Porta Fidei (“Porta da Fé”). Com esse documento, Sua Santidade convocou um Ano da Fé, com início em 11 de outubro de 2012 – aniversário de 50 anos da abertura do Concílio Vaticano II e 20 anos da publicação do Catecismo da Igreja Católica – e término em 24 de novembro de 2013, na Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo.

Mas por que o Papa viu a necessidade de convocar um Ano da Fé?

Há décadas que uma crise generalizada se espalhou no seio da Igreja. Em sua Carta Pastoral por ocasião do Ano da Fé, recorda D. Javier Echevarría que “já desde a conclusão do Concílio Vaticano II entrevia-se o perigo de que, em amplos setores da Igreja, o entusiasmo gerado por essa Assembleia pudesse ficar em meras palavras, sem afetar profundamente a vida dos fiéis; ou que até, por causa de equivocadas interpretações e aplicações dos ensinamentos conciliares, o genuíno espírito cristão fosse sendo erroneamente assimilado ao espírito do mundo, em vez de elevar o mundo à ordem sobrenatural.” A quantidade de vocações sacerdotais e religiosas diminuiu de maneira preocupante, muitos abusos e equívocos foram cometidos – ora em nome de um falso “espírito do Concílio”, ora em nome da “Roma eterna” – e muitos fiéis se afastaram da fé.

D. Javier Echevarría

Nessas cinco décadas, o Concílio Vaticano II foi defendido por muitos como um divisor de águas dentro da Igreja – tanto que se usa frequentemente os termos “Igreja pré-conciliar” e “Igreja pós-conciliar” – que transformou a Barca de Pedro em algo completamente novo, que nada tem a ver com o passado, ou foi atacado nos termos mais duros como a “fumaça de Satanás dentro da Igreja”, como um evento que deformou a Igreja de modo profundo. Disputas à parte, algo inegável é que, nessas cinco décadas de oscilação e crise, muito pouco se procurou estudar os documentos conciliares e aplicá-los com fidelidade e à luz da Tradição da Igreja. A esse respeito, declarou o Papa Bento XVI:
Pareceu-me que fazer coincidir o início do Ano da Fé com o cinquentenário da abertura do Concílio Vaticano II poderia ser uma ocasião propícia para compreender que os textos deixados em herança pelos Padres Conciliares, segundo as palavras do Beato João Paulo II, «não perdem o seu valor nem a sua beleza. É necessário fazê-los ler de forma tal que possam ser conhecidos e assimilados como textos qualificados e normativos do Magistério, no âmbito da Tradição da Igreja. Sinto hoje ainda mais intensamente o dever de indicar o Concílio como a grande graça de que beneficiou a Igreja no século XX: nele se encontra uma bússola segura para nos orientar no caminho do século que começa». Quero aqui repetir com veemência as palavras que disse a propósito do Concílio poucos meses depois da minha eleição para Sucessor de Pedro: «Se o lermos e recebermos guiados por uma justa hermenêutica, o Concílio pode ser e tornar-se cada vez mais uma grande força para a renovação sempre necessária da Igreja».
Além disso, é fato que “os conteúdos essenciais, que há séculos constituem o patrimônio de todos os crentes, necessitam de ser confirmados, compreendidos e aprofundados de maneira sempre nova para se dar testemunho coerente deles em condições históricas diversas das do passado”. A doutrina de Cristo, de quem Sua Igreja é guardiã, é perfeita e imutável; no entanto, as formas de transmissão da Boa Nova devem se adequar ao ambiente e aos tempos de modo a alcançar os corações dos homens. Diante da necessidade premente de “um empenho eclesial mais convicto a favor duma nova evangelização, para descobrir de novo a alegria de crer e reencontrar o entusiasmo de comunicar a fé”, o Papa Bento XVI também convocou a XIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, cujo tema é “Nova evangelizatio ad christianam fidem tradendam – A nova evangelização para a transmissão da fé cristã”.

Papa Bento XVI durante a Missa de abertura da assembleia do Sínodo dos Bispos.

A nova evangelização tão desejada pelo Santo Padre, e tão necessária ao nosso mundo, não se destina propriamente às chamadas “terras de missão” – lugares que até então não tinham conhecimento de Cristo e Sua Boa Nova –, mas às terras que tiveram no Cristianismo seu principal alicerce e parecem ter se esquecido completamente de Deus. Se antes a principal tarefa de toda a Igreja – sacerdotes, religiosos e leigos – era aproximar as pessoas de Jesus pela primeira vez, hoje essa tarefa é reaproximar aquelas pessoas que, tendo participado do Corpo Místico de Cristo, viraram-lhe as costas pelos mais diversos motivos.

Dentro do espírito dessa nova evangelização, quis iniciar este blog para tratar de um tema que é essencial a todos os católicos e que é muito sensível, sobretudo no Brasil: a Santa Missa. É visível que, em muitas ocasiões, esquece-se o real significado do Santo Sacrifício do Altar. Não são raras as vezes em que a Santa Missa é vista e vivida como um evento meramente festivo cheio de alegorias e metáforas que, de alguma maneira, faz com que nos sintamos bem conosco mesmos, tendo como efeito secundário o louvor e a adoração a Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo. A esse respeito, São Josemaria Escrivá dizia em uma homilia:
Não revelo nada de novo se digo que alguns cristãos têm uma visão muito pobre da Santa Missa, que muitos a encaram como um mero rito exterior, quando não como um convencionalismo social. É que os nossos corações, tão mesquinhos, são capazes de acompanhar rotineiramente a maior doação de Deus aos homens.
Essa falta de consciência não se dá por maldade, certamente; entretanto, isso não diminui seu prejuízo aos fiéis. Se não sabemos viver a Santa Missa, a própria vivência cristã perde seu significado, e só podemos saber como tomar parte no sacrifício de Cristo Jesus se conhecemos com profundidade sua magnitude, importância e significado.

Assim sendo, este blog pretende ser uma catequese simples e direta, sem superficialidades, sobre o que significa a Santa Missa e como nós podemos participar dela de modo digno, profundo e verdadeiro, com piedade sincera e amor filial. Tudo o que aqui será publicado estará firmemente embasado nas Sagradas Escrituras, no Magistério e na Tradição da Igreja, e frequentemente recorrerei a escritos teológicos e espirituais diversos que não se desviem da ortodoxia da fé.

Que Nossa Senhora, Mater Pulchrae Dilectionis, Mãe do Amor Formoso, guarde-nos a todos sob sua dulcíssima proteção!